Boicotar a posse não é resistência. É ato mimado de quem não entendeu o recado das urnas

PT, PSOL e PCdoB mostram que a oposição ao governo Bolsonaro cometerá os mesmos erros da campanha derrotada.

Oposição protestando contra o governo Temer // Foto - G1

Quando Jair Bolsonaro disse em entrevista que não aceitaria o resultado das eleições presidenciais de 2018 em caso de derrota, esse que vos escreve gritou aos quatro cantos: “Ele não é democrático”. E tinha minhas razões para acreditar nisso. Em uma democracia, o resultado das urnas e a vontade popular precisam ser respeitados acima de qualquer outra variável. Agora, para a minha amarga surpresa, vejo os partidos em que votei usarem do mesmo método mimado outrora utilizado por quem tanto critiquei.

Na última sexta-feira (28), partidos de esquerda como PT, Psol e PCdoB anunciaram por meio de notas oficiais que não participarão da posse do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Como sempre acontece, o Superior Tribunal Eleitoral convida parlamentares eleitos para acompanharem a solenidade oficial. As três notas parecem ter sido combinadas. Falam, de maneira geral, das divergências políticas com o governo eleito, e mesmo frisando que respeitam o resultado das urnas, optam por “não comemorar”.

A decisão destoa do que acontece em outros países do mundo com partidos de oposição. Esse tipo de conduta seria inimaginável na França, no Reino Unido ou na Alemanha, por exemplo. E antes que alguém diga que nesses lugares não há nenhum político como Bolsonaro, lembro que nos Estados Unidos, a posse de Trump contou com as presenças de Barack Obama e Hillary Clinton. Durante a campanha, Trump falou em deportar o primeiro e prender a segunda.

Acontece que ninguém precisa comemorar nada em uma posse. A obrigação democrática dos partidos de esquerda no Brasil é estar presente no ato para mostrar aos aliados de Bolsonaro que eles não terão vida fácil nos quatro anos que se seguirão. Mais do que isso, serve para mostrar que estarão presentes em cada ato do presidente eleito, escutando e retrucando de perto cada frase, cada gesto, cada mínimo movimento. E isso inclui a posse.

Pelas redes sociais, a grande maioria dos militantes de esquerda comemoram a decisão dos partidos. Para eles, Bolsonaro também foi antidemocrático durante a campanha ao dizer que ia fuzilar petistas, por exemplo. Sim. Eu concordo. Bolsonaro não tem nada democrático. Por isso não votei nele. Votei nas pessoas que acredito profundamente que são diferentes dele. O remédio para a ameaça à democracia é sempre mais democracia.

Há quem diga também que Bolsonaro foi eleito por causa de fake news. Essa é uma das mentiras mais propagadas por uma esquerda que jamais admite estar errada. Aqui vai uma verdade dura e necessária: Bolsonaro não foi eleito por causa de fake news, Bolsonaro foi eleito porque o Brasil é um país racista, machista e homofóbico. Ninguém foi enganado por ele. Quem apertou o 17 na urna sabia muito bem as barbaridades que ele falava, e por tabela concordava. Ele foi a escolha do povo brasileiro. Sim, uma escolha bárbara, preconceituosa e extremamente triste, mas mesmo assim legítima.

Também há as críticas que lembram as denúncias de caixa 2 na campanha do presidente eleito. Ironicamente há outro partido que também sofre com denúncias de caixa 2 em uma campanha eleitoral: o PT de 2014. Além disso, todas as denúncias contra Bolsonaro foram amplamente divulgadas durante a campanha. Ou seja, as pessoas tiveram a oportunidade de pesar essas denúncias, e mesmo assim optaram pelo militar reformado.

Tudo isso reflete uma esquerda que insiste em não se criticar. Para vários setores progressistas a culpa da eleição de Bolsonaro está na conta de outros setores. “É culpa da mídia, dos evangélicos, do caixa 2, do STF, ou das fake news”. É de todo mundo. Menos nossa. Nós somos os perfeitos defensores do povo que somos sempre injustiçados por alguém. Certo ou não, esse discurso não serve, vide o que ocorreu nas eleições de 2018. Fomos duramente derrotados.

O gesto mimado não vai ajudar a diminuir a popularidade de Bolsonaro. Pelo contrário. Servirá de argumento eterno de que a esquerda brasileira também não é tão apegada aos valores democráticos, como pregavam durante a campanha. Uma pena. Não precisamos de uma oposição do lacre. Precisamos de uma oposição que atue de verdade. Mas parece que no Brasil essa oposição não existe. Quem perde é o povo.