Aos meus amigos petistas
- Aécio de Paula
- 9 de abr. de 2019
- 6 min de leitura
Sem querer, deputada Tábata Amaral levantou importante debate sobre a atuação da oposição no Brasil.

Amigos petistas,
No último dia 27 de março, na Comissão de Educação da Câmara Federal, a deputada Tábata Amaral (PDT-SP), fez uma série de questionamentos ao até então ministro da educação. O vídeo em que a parlamentar coloca Ricardo Vélez contra a parede viralizou pelas redes sociais e foi altamente divulgado pela mídia. As declarações vazias do colombiano repercutiram muito mal não só no Congresso, mas também no próprio poder executivo. A atuação de Vélez chegou a ser criticada inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro. Sua queda confirmada nesta segunda-feira (8), pode ter sido um sinal desse desgaste.
Depois de tamanha repercussão do vídeo, construiu-se o debate em torno da atuação da deputada pedetista. Os questionamentos começaram a vir sobretudo de parte da militância do PT e do Psol, dois dos mais importantes partidos de esquerda no Brasil. Importante frisar que as críticas não foram direcionadas ao vídeo em si, e sim ao status de “defensora dos oprimidos” que a deputada estava conquistando. Afinal, seria Tábata realmente uma política progressista? Estaria Tábata realmente preocupada com a situação da educação pública? Tábata é de esquerda?
Meu amigo petista, eu realmente entendo a importância desses questionamentos e provavelmente até concordamos com algumas das respostas para eles. Mas será mesmo que nesse momento político que estamos vivendo isso se faz assim tão importante? Você, talvez mais do que ninguém nesse país, entende que a nossa democracia corre perigo com Bolsonaro no poder. A pior face da sua gestão vai muito além de sua notável incompetência. Nem precisamos falar aqui do perigo que o seu racismo, machismo e homofobia representam para esse país. Mas para além disso, um dos filhos do presidente já falou abertamente sobre o desejo de destruir o PT, e de fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Nosso presidente já homenageou torturadores e ditadores daqui e de outras partes do mundo. Não há o que discutir. Bolsonaro não é um representante de uma “direita normal”. Bolsonaro não é apenas um neoliberal ou um representante dos interesses dos Estados Unidos. Ele é muito pior do que isso.
Diante de todo esse cenário tenebroso, que ameaça diretamente nossa população mais carente e o futuro da nossa tão frágil democracia, é importante ressaltar que esta não é exatamente a hora de discutir quem pode ou não pode se opor a esse governo. Qualquer pessoa com o mínimo senso de democracia não tem apenas o direito de ser oposição ao Bolsonaro, tem o dever de fazê-lo. Não me importa se essa oposição é feita pelo PSOL, pelo PCdoB, pelo PT, pelo PDT ou pelo PSDB. Não me importa se quem está colocando o ministro contra a parede seja a Tábata, do PDT ou a Sâmia, do PSOL. Neste momento, o inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Afinal, era este o seu grande argumento para conseguir furar a bolha do antipetismo no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Tenho certeza que você lembra quando me disse que naquele momento do Brasil, não importava se eu era petista ou não, de esquerda ou não, progressista ou não. Se eu fosse um ser humano com sentimentos eu teria que votar em Fernando Haddad. E eu concordei com isso. Eu continuo concordando. E se você segue coerente com o que diz, você precisa seguir essa linha de raciocínio. Caso contrário, vai parecer que todo aquele discurso de “votar em Haddad para defender a democracia” era só uma mentira para simplesmente colocar a esquerda que você queria no poder.
Também não preciso lembrar aqui que até o último minuto das eleições, você esperou por um apoio do Ciro Gomes, do mesmo partido da Tábata. E se a mesma Tábata já elogiou Fernando Henrique Cardoso, Fernando Haddad procurou o ex-presidente em busca de apoio ao menos três vezes no segundo turno de 2018. E não pense que era uma situação diferente porque era um período eleitoral. Agora, mais do que na época, essa união precisa ser concretizada. Nas eleições para a presidência da Câmara, PT e PSol se fecharam no mundinho de faz de contas em torno da candidatura de Marcelo Freixo. Resultado: Rodrigo Maia venceu em primeiro turno e segue defendendo uma proposta da previdência extremamente cruel com a população pobre. Freixo sequer conseguiu ficar na segunda posição. Uma oposição apenas com PT e Psol pode até fazer algum barulho, mas na prática não sairá do lugar.
As críticas exageradas dirigidas para Tábata nesse momento são também incoerentes. Nos 13 anos do PT no poder, bancos lucraram absurdamente, reformas importantes como a agrária e a da mídia foram propositalmente esquecidas e índios foram despejados por causa de construções federais. Some aí que Lula e Dilma se aliaram em alguns momentos com quadros como Silas Malafaia, Edir Macedo, Marcelo Crivela, Fernando Collor e Kátia Abreu, a rainha do agronegócio acusada várias vezes de crime ambiental e de, pasmem, trabalho escravo. “Quero agradecer a esse companheiro de chapa que sempre esteve ao meu lado”, disse Dilma Rousseff sobre Michel Temer no discurso da sua vitória de 2014, quando venceu a eleição presidencial com o apoio de empresas que não são nada de esquerda. E não se engane pensando que o PT agora é outro. A grande verdade é que o partido que você defende não aprendeu nada com o golpe que sofreu em 2016. Já nas eleições de 2018, subiu no palanque de Renan Calheiros e Eunício Oliveira (Esse último conseguiu chegar à presidência do Senado com apoio da maioria dos senadores do PT). Eunício e Renan são do PMDB, que dispensa apresentações. Em Pernambuco a pá de cal. Lula impediu a concretização da candidatura de Marília Arraes para o Governo Estadual em nome de um apoio para Paulo Câmara (PSB). Se você não o conhece, Câmara desrespeita professores e servidores da rede estadual, vive em pé de guerra com movimentos sociais e atende diretamente aos interesses de empreiteiras na conhecida guerra imobiliária do Recife. Como você vê, amigo petista, a discussão sobre ser de esquerda vai muito além de simplesmente ir comprar pão com uma camisa do Lula Livre.
Para além de tudo isso, o questionamento de que se Tábata Amaral é de esquerda ou não é extremamente perigoso nesse momento. Acontece que essa discussão impede o diálogo mais grave e mais urgente no país agora. Índios, mulheres, negros e gays estão sendo sumariamente assassinados por políticas não só do Bolsonaro, mas de todo um sentimento de ódio que foi eleito de 2018 (Leia-se Witzel no Rio e Dória em São Paulo). Portanto tenha certeza que a discussão a ser feita agora não é entre esquerda x direita, progressismo x conservadorismo ou estado mínimo x estado máximo.
Exemplifico: um carro com uma família dentro foi alvejado pelo exército com cerca de 80 tiros no Rio de Janeiro. O pai morreu. O filho (uma criança) está em estado de choque. A mãe, que está desesperada por ter sido mais uma vítima do estado, tenta encontrar respostas em meio a dor. Garanto que ela não está nada preocupada agora com o seu ranking de políticos de esquerda, amigo petista. Ela é mais uma vítima de um estado que está transformando o ódio em política pública, e é sobre isso que temos que falar agora. Nesse momento político, é até doloroso imaginar que o campo democrático não consiga conciliar suas diferenças para tentar encontrar uma atuação unificada eficiente contra tudo o que está acontecendo no país agora.
Temo, do fundo do meu coração, que a sua preocupação agora sejam as eleições de 2022. Isso explicaria sua necessidade de atacar o crescimento de qualquer quadro de uma esquerda que não seja estritamente ligada com o que você acredita que pensa. Ou seja, o crescimento de um quadro de fora do PT. Corrobora com essa teoria o fato de o PT já ter pré-lançado a candidatura de Haddad para as eleições de 2022, assim como Ciro Gomes também erroneamente o fez. São atos que revelam uma esquerda sedenta apenas pelo poder. Mas espero que essa teoria não esteja certa. De qualquer forma, se for isso, não se preocupe. Tábata não vai roubar o protagonismo do PT. Você ainda é partidário da agremiação de esquerda mais popular do país. A massa está do seu lado.
Vale lembrar que esse recado é dirigido apenas para você militante petista. É de coração. Não o leve como uma crítica destrutiva. Pensar em uma oposição democrática sem a presença do PT é loucura. É má fé. O escrevo porque sei que o Brasil precisa de você. Amplie o discurso. Faça como os políticos que você defende. Flávio Dino (PCdoB), Marcelo Freixo e Sâmia Bonfim (PSOL) e até o Fernando Haddad (PT) foram à público declarar apoio para a deputada do PDT. Eles já entenderam que não é hora para divisão no campo democrático. Mais do que isso, eles entenderam que as pessoas estão preocupadas com assuntos muito mais sérios do que quem entra ou não no seu seleto grupinho de esquerda.
Abraço!
תגובות