O Jornal Nacional e a cobertura do pacote anticrime de Moro
- Aécio de Paula
- 5 de fev. de 2019
- 4 min de leitura
Jornal mais assistido do país ouviu entidades e juristas sobre o assunto. Mas “não encontrou” nenhum crítico da proposta.

Na última segunda-feira (5), o Jornal Nacional (TV Globo) levou ao ar a sua cobertura sobre o pacote anticorrupção proposto pelo ministro da justiça Sérgio Moro. O pacote inclui uma série de medidas que, segundo o ministro, visam diminuir a violência pública e a corrupção no país. Na cobertura, o principal telejornal do país levou ao ar duas matérias. A primeira explicava cada ponto da proposta. A matéria foi trazida em um tom extremamente positivo, dando a ideia que era uma proposta incrível e que veio para mudar a história do país. Tudo isso ilustrado por longas sonoras do ministro Sérgio Moro.
Mas por incrível que pareça, essa primeira matéria não foi o grande problema da cobertura. Logo na sequência o jornalista Rodrigo Bocardi, que estava na bancada, chamou uma matéria sobre a repercussão do lançamento dessas medidas entre as entidades jurídicas e a sociedade civil. A reportagem pode ser vista clicando aqui nesse link. Em uma matéria de quase 5 minutos (um tempo considerado enorme para uma reportagem de televisão), o jornalista Julio Mosquera entrevista uma série de representantes de entidades jurídicas. Em comum: todos eles eram amplamente favoráveis às medidas de Sérgio Moro. Na longa matéria sobre a repercussão do pacote, o jornal não foi capaz de encontrar nenhuma fonte sequer que apresentasse qualquer crítica mais forte ao projeto de Moro.
Reconhecendo a consagrada carreira de Mosquera fica difícil considerar que o jornalista simplesmente não tenha encontrado essas fontes para a matéria. Afinal, nem precisa ter qualquer estudo formal em jornalismo para entender que a pluralidade de informações é a base de qualquer bom trabalho na área. É o famoso “mostrar os dois lados”. Nesse caso, portanto, o ato de apresentar ao público apenas o lado de Sérgio Moro parece ter sido algo proposital. Longe de mim tentar fazer qualquer denúncia sobre possíveis interesses da emissora no caso. Não posso fazer acusações com base apenas em evidências. Mas de uma certa forma, o jornalismo formal parece ter tomado para si o direito de julgar qual dos dois lados é o mais “capacitado” para falar sobre o assunto. E à partir daí julgar qual o lado que as pessoas precisam ouvir.
Não me deixa estar errado um post do jornalista Gerson Camarotti (TV Globo/ GloboNews). Um dos mais respeitados jornalistas do cenário político de Brasília publicou em uma rede social a seguinte análise “Medidas de Moro foram bem recebidas por quem entende do assunto”. Ora, Gerson. Seu papel aqui não é o de julgar quem entende do assunto. Seu papel aqui é mostrar o que pensam os dois lados, mesmo que você acredite que um lado entenda mais. Ele segue no mesmo post “No Congresso, entretanto, há uma bancada de investigados, e, por isso, haverá resistência”. Agora o jornalista vai além e dá a entender que se uma pessoa é contrária às medidas, ela necessariamente é alguém que tem algo a esconder da justiça. Resumindo: só sendo bandido para ser contra essa proposta. Sinceramente não tem como saber se ele lançou essa ideia propositalmente, mas como jornalista ele precisa entender a força das palavras que usa.
Isso fica muito claro nos comentários desse post do Camarotti. “O PT não gostou, por isso o pacote é bom!!!!!!!!!!!!!”, disse um internauta. “Resistência de investigados x Vontade da sociedade”, disse outro. “Ou seja, somente bandidos não gostaram das medidas. Isso significa que o procedimento é muito bom”, exclamou o terceiro.
Propositalmente ou não, fato é que o jornalismo se acostumou a julgar o que é capacitado e o que não é capacitado para falar sobre um determinado assunto. O Mosquera certamente não teria muito trabalho para encontrar membros da sociedade jurídica e civil que se posicionaram contra as propostas de Sérgio Moro. Bastaria um simples telefonema, uma troca rápida de emails ou até uma marota olhada nas redes sociais.
Foi em uma dessas redes sociais que o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) publicou a sua visão sobre a proposta de Sérgio Moro. “As propostas de Moro facilitam a execução sumária por parte das forças de segurança, que já não são poucas na história desse país”, disse o deputado. Aqui não se julga se o deputado está certo ou errado, mas se critica o fato de o jornalista julgar que essa opinião não é válida para se contrapor a visão única que foi mostrada no telejornal. Freixo é formado em história, e foi professor do sistema prisional, inspirou personagem do filme Tropa de Elite, como deputado foi marcado por presidir a CPI das milícias a do tráfico de armas e munições. Será mesmo que ele não tem nada a nos falar sobre segurança pública?
Freixo também é membro de diversas organizações de direitos humanos, mas nenhuma delas ganharam espaço na reportagem. Por outro lado, defensores dos direitos humanos ganharam voz na versão brasileira do jornal El País. Em uma matéria do jornalista Afonso Benites, publicada no dia 4 de fevereiro (mesmo dia da veiculação da reportagem do Jornal Nacional), o jornalista apresenta os dois lados. Foram mostradas falas de membros do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo e do Fórum brasileiro de Segurança Pública. Essa é a pluralidade de ideias que aqui falamos.
Termino esse texto mostrando a opinião de um amigo que conversava comigo sobre esse assunto. “É muito mais fácil ouvir homens, brancos e ricos sobre esse assunto. Eles vão achar que a proposta é maravilhosa. Eles não são os alvos”, me disse Rogério. Rogério é jovem, preto, morador da favela da Rocinha no Rio de Janeiro e entende muito mais de segurança pública do que qualquer fonte do Mosquera.
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