Aos patrões: se sofrem muito, que troquem de lugar com seus empregados
- Aécio de Paula
- 5 de dez. de 2018
- 3 min de leitura
Já que hoje “é mais fácil ser empregado do que patrão” então troque de lugar com ele e seja feliz.

Era uma tarde ensolarada que servia de cenário para uma conversa em família com direito a tios, primos e avós em minha casa. Depois de dissertar sobre o forte calor pernambucano e os filmes que estavam em cartaz no cinema, o assunto teimou em se dirigir para a política. Eis que um dos meus parentes, dono de um pequeno negócio de varejo, diz a seguinte frase: “Tomara que o presidente olhe por nós, que somos patrões”. Abismado com a triste frase, perguntei o motivo de tamanha besteira ter saído da boca de um pequeno empreendedor. “Nós é que movemos a economia deste país. Se nós estivermos bem, todos os empregados também estarão. O fato é que o Brasil de hoje dá muito direito para empregados, enquanto a gente se vira para fazê-los acontecer. Hoje em dia é melhor ser empregado do que patrão.”, completou.
A lógica do meu parente não foi inaugurada por ele. No Brasil de hoje, a ideia de que os patrões movem nossa economia parece um mantra entoado por muita gente por aí. Rapidamente fiz uma proposta ao meu parente. “Ora, se o senhor acha que ser empregado hoje em dia é melhor do que ser patrão, então troque de lugar com seu empregado”. Depois de um belo período de silêncio, ele disse que era preciso mudar de assunto e que eu precisava parar de fantasiar uma sociedade comunista.
Sua recusa em responder a proposta parece ratificar uma sociedade que não suporta que classes mais baixas ganhem os seus direitos. Um patronato que não está, nem de longe, disposto a ameaçar os seus privilégios em troca de uma melhor distribuição de direitos para todos. É salutar entender isto em um momento onde os discursos como esse do meu parente se tornam cada vez mais comuns.
Eu sei o que meu parente quis dizer quando desejou que o presidente eleito olhe por eles (os patrões). Ele sente a necessidade de se colocar como patrão na nossa sociedade. Mesmo sendo ele apenas um pequeno comerciante, com apenas um funcionário de uma pequena franquia de cosméticos. Ah, parente! Você não é o patrão que criticamos aqui. Pelo contrário. Para você não são dados os mesmos privilégios dos verdadeiros patrões donos de grandes marcas, de grandes emissoras e de outras grandes empresas no Brasil. Você não está nesse lugar. Não adianta tentar se colocar nesse lugar para se diferenciar do resto da família naquela sala iluminada pela bonita tarde de verão.
Você tenta se diferenciar da classe trabalhadora que, e é importante que se lembre sempre, sofre muito mais do que os patrões no Brasil. Segundo dados divulgados pelo IBGE este ano, desde 2016 o Brasil perdeu quase 3 milhões de trabalhos formais. Essas pessoas estão trabalhando quase sem direitos, muitos debaixo do sol escaldante e boa parte sendo literalmente escravizados. Também segundo o IBGE, a taxa de pobreza cresceu e hoje subiu para quase 55 milhões de brasileiros. Talvez por isso você não queira ser visto como um trabalhador. E talvez por isso você nem consiga se imaginar como uma pessoa que possa trocar de lugar com esse trabalhador.
Você também tenta me pregar a ideia de que sou comunista. Seu conhecimento histórico pode até ser limitado, parente. Mas você tem a obrigação saber que a luta por direitos não é automaticamente uma luta comunista. É uma luta que qualquer ser humano com qualquer nível de empatia naturalmente vai travar.
Como visto, há várias falácias dentro do discurso pró-patrão nesse país. Talvez a maior delas seja a hipocrisia de que eles estão se importando com a classe trabalhadora, e que a eleição de um presidente que diz literalmente que o patrão sofre muito no Brasil vai ajudar a mudar a vida do trabalhador. O sistema neoliberal vê a desigualdade social como um processo natural. Não há como mudar isso dentro desse governo atual, e principalmente do próximo. Mas faça esse exercício. Sempre que alguém te falar que é melhor ser empregado do que ser patrão, peça para ele trocar de lugar. Se ele não topar, é alerta de hipocrisia.
Aécio, este debate é de uma importância sem tamanho! Penso que a principal estratégia para o desmonte dos direitos foi ganhar a classe média e muitos pobres com esse discurso do empreendedor, como se o pequeno empresário não fosse, na verdade, um trabalhador. Uma das nossas principais tarefas, hoje, é resgatar a consciência de classe pra poder começar o debate e dizer que, na verdade, trabalhadores e pequenos empreendedores estão no mesmo barco.