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AÉCIO DE PAULA

O Brasil que os eleitores de Bolsonaro querem já existe

  • Foto do escritor: Aécio de Paula
    Aécio de Paula
  • 27 de nov. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 4 de dez. de 2018

Já somos o país que mais mata bandido, mais encarcera e mais maltrata as minorias sociais. O que mais eles querem?


Cadeia no Brasil - Foto Reprodução (YouTube)
Cadeia no Brasil - Foto Reprodução (YouTube)

Depois de um mês do resultado do segundo turno da eleição presidencial no Brasil, que consagrou o direitista Jair Bolsonaro como chefe de estado brasileiro, é hora de respirar e começar a fazer análises menos apaixonadas e mais calculistas em relação ao que aconteceu e ao que está por vir nos próximos anos com o governo do ex-deputado.

Uma das coisas que mais me chamou atenção durante todo esse processo foi a pauta de campanha do candidato do PSL e do respaldo imediato dessa sua pauta em seu combativo eleitorado. Essa pauta trazia, de maneira explícita ou implícita, a morte de bandidos, um apelo por um estado religioso, uma ode ao moralismo, um desapego em relação às questões voltadas para as minorias sociais, antiambientalismo, e o pedido quase afobado pelo estado mínimo. Tudo isso veio misturado com o pedido urgente de mudança. Para eles, Bolsonaro foi quem melhor incorporou essa busca pelo novo.


Em primeiro lugar, fica difícil entender o motivo de considerar um político com quase 30 anos de carreira política como um candidato novo. Só esse fato já bastaria para entender que de fora do sistema Bolsonaro não tem nada. Mas não é só isso. Todas essas pautas gritadas a plenos pulmões pelos combativos eleitores de Bolsonaro já estão em vigor no Brasil, seja oficialmente ou não. Vamos a alguns números.


Vários levantamentos revelam que o número de pessoas mortas pela polícia (bandidos ou não) só faz crescer no Brasil. Em 2017, segundo levantamento realizado pelo portal de notícias G1, 5.012 pessoas foram assassinadas por policiais em solo nacional. Em relação a 2016, por exemplo, esse número representa um aumento de quase 20%. Especialistas acreditam que esse número é bem maior, já que boa parte dos casos não chega a ser registrado. Vamos considerar, em um cenário hipotético, que todos os assassinados eram bandidos. Então consideramos que no Brasil a frase “bandido bom é bandido morto” já é aplicada na prática, independente de Bolsonaro eleito.


Também independente de Bolsonaro esse país vive confundindo os limites do estado laico. Não são poucas as escolas em que alunos são obrigados a rezar uma oração cristã. Também vale lembrar que está escrito a frase Deus Seja Louvado no Real. Além disso, segundo dados do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos só no Rio de Janeiro, por exemplo, 90% dos casos de ódio contra religiões são registrados por membros de crenças de matriz africana. O estado laico já está em risco. Com ou sem Bolsonaro.


Em relação aos pedidos por um país mais conservador, lembro que o nosso Congresso já cumpre um papel nesse sentido. Só a bancada evangélica desta legislatura conta com cerca de 90 deputados no Congresso e ao menos 3 senadores na Câmara. Juntos, eles são responsáveis por impedir votações relacionadas ao aborto, igualdade de gênero, eutanásia e direitos LGBTQ, por exemplo. Nossos representantes já são conservadores. Com ou sem Bolsonaro.


Falando nas minorias, friso que vivemos em um dos piores países para fazer parte de uma minoria no mundo. Em 2017, batemos recorde de morte de gays e lésbicas no país segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB). A lógica é mais ou menos a mesma para mulheres e negros. Somos o país do mundo que mais mata as minorias e também somos um dos que menos tem representatividade nas universidades, na mídia e no Congresso. Ou seja, já vivemos em um país que não reconhece as diferenças e não se sente culpado por esses dados. Com ou sem Bolsonaro.


Além disso, os pedidos por um estado mínimo chegam a ser patéticos. Essa era inclusive uma das pautas pela saída de Dilma e posterior entrada de seu vice. “Se tirar o PT já melhora”, diziam eles. Dilma saiu. Temer entrou e pôs em prática sua agenda neoliberal em uma festa da austeridade como o Brasil não via em anos. Nada melhorou. Mudamos para pior. Agora eles elegeram Bolsonaro pedindo a mudança para um estado mínimo que na verdade já existe e que já não deu certo.


Os eleitores de Bolsonaro também o elegeram para pôr fim ao preconceito racial contra brancos, ao kit gay e a ameaça comunista no Brasil. Mas nada disso existe também.


Tudo isso para dizer que é uma falácia afirmar que alguém votou em Bolsonaro em busca de uma mudança. Bolsonaro nunca representou nenhuma mudança. Pelo contrário. Bolsonaro é um retrato fiel do que é a elite brasileira e do que sempre foi esse país durante séculos. Isso fica provado não apenas pela continuidade de alguns dos homens que trabalharam com Temer em seu governo, mas também porque ele conseguiu captar um sentimento entre o eleitorado brasileiro. Quem sou eu para definir que sentimento foi esse que eles sentiram? Mas cravo que sentimento de mudança não foi.

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