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AÉCIO DE PAULA

Política de armas: Por que os Estados Unidos são tão diferentes do Reino Unido?

  • Foto do escritor: Aécio de Paula
    Aécio de Paula
  • 6 de dez. de 2018
  • 4 min de leitura

Dois dos países mais poderosos do planeta pensam muito diferente sobre o direito de ter uma arma. Há uma explicação histórica para isso.


Loja de armas no Colorado, Estados Unidos // Foto - Reprodução
Loja de armas no Colorado, Estados Unidos // Foto - Reprodução

A música country animava as pessoas em um show ao vivo no estado de Nevada, mais precisamente na famosa cidade de Las Vegas. Mas a festa, que seguia normalmente, foi interrompida brutalmente por um atirador em massa. Foram 58 pessoas assassinadas e outras 515 feridas. Aquela noite do dia 1º de outubro de 2017 ficou marcada como a mais sangrenta da história das armas nos Estados Unidos.


Massacre de Las Vegas, em 2017 // Foto - AFP
Massacre de Las Vegas, em 2017 // Foto - AFP

O episódio não chocou a população pelo seu caráter episódico. Pelo contrário. O recorde que o atirador acabava de quebrar era até então de outro episódio recente. Um ano antes, em 12 de junho de 2016, um homem de 29 anos entrou em uma boate gay em Orlando, na Flórida, e matou friamente 49 pessoas. Casos assim fazem parte do cotidiano dos norte-americanos.


A facilidade com que se compra uma arma nos Estados Unidos assusta muitos desavisados em outros países. No Europa, onde a cultura das armas é muito menos representativa, as leis dos países mais poderosos são muito mais rígidas em relação ao comércio e a posse irrestrita de armas. Lá, também assusta a ideia de que armas podem ser usadas para proteção individual do cidadão.


Na história

E de onde vem essa ode às armas nos Estados Unidos? Mais precisamente do século XVIII, quando milicianos se rebelaram contra os britânicos durante a Revolução de 1776. Foi daí que nasceu a Segunda Emenda, que insere o direito de possuir uma arma de fogo na coleção de direitos à liberdade. Está no imaginário dos norte-americanos que a revolução só foi vencida por causa daquelas armas.


Garoto enrola arma em um lenço no clipe This Is America // Foto - Reprodução YouTube
Garoto enrola arma em um lenço no clipe This Is America // Foto - Reprodução YouTube

É daí que se transforma a arma em muito mais do que um objeto, mas um símbolo sagrado de defesa da liberdade norte-americana. Há uma crítica em relação a isso no clipe This Is America, do americano Childish Gambino que você pode assistir clicando neste link. Em vários trechos da música, a arma é enrolada em um pano limpo depois de assassinar um negro, mostrando que na sociedade norte-americana a arma vale mais do que muitos seres humanos.


A discussão político-partidária acerca do direito de ter uma arma sempre retorna depois que um massacre volta a acontecer. Mas semanas depois esses casos sempre acabam caindo em esquecimento. Alguns políticos como Barack Obama e senadores sobretudo do Partido Democrata até tentaram endurecer algumas regras para a obtenção de armas nos Estados Unidos, mas nenhum político norte-americano ousa dizer que vai acabar com a Segunda Emenda. “Jesus lutaria pela nossa Segunda Emenda”, disse a republicana Sarah Palin.

Comparando a relação dos Estados Unidos com outros países desenvolvidos, conseguimos ver claramente a diferença das relações entre população e armas que as duas culturas possuem.


Dados (CIA World Fact Book e UNODC 2012)
Dados (CIA World Fact Book e UNODC 2012)

Dados da Everytown Research
Dados da Everytown Research

Dados apenas do ano de 2014 divulgados pela Gun Violence Archive (EUA) e  pela Home Office, Police Scotland (Reino Unido)
Dados apenas do ano de 2014 divulgados pela Gun Violence Archive (EUA) e pela Home Office, Police Scotland (Reino Unido)

Como vemos, no Reino Unido a relação da população com as armas é bem diferente da relação dos norte-americanos com as mesmas armas. Antes de mais nada, estima-se que quase metade das armas do mundo estejam hoje no país comandado por Donald Trump.


Vigília pelo massacre de crianças em Dunblane, na Escócia // Foto - AFP
Vigília pelo massacre de crianças em Dunblane, na Escócia // Foto - AFP

Ao contrário dos norte-americanos, os britânicos se sentiram na obrigação de endurecer as suas leis de controle de armas depois de um grande massacre. E esse massacre aconteceu mais precisamente em 1966, quando um atirador entrou em uma escola e matou 16 crianças que estavam em plena aula, na cidade de Dunblane, na Escócia.

O governo lançou um programa de devolução voluntária das armas de fogo e a população atendeu ao chamado. Só nos primeiros meses, mais de 23 mil armas foram entregues ao governo para serem destruídas.


Até hoje a relação dos britânicos com as armas é de distanciamento. Segundo dados do próprio governo a maior parte das armas que estão sob território do Reino Unido estão nas mãos de atletas de tiro e pessoas que moram no campo. Há o entendimento geral de que armas são necessárias apenas para soldados de guerra.

É uma lógica cultural muito diferente da vista nos Estados Unidos. Na Dakota do Sul, por exemplo, uma lei de 2013 libera o uso de armas por professores em salas de aula para supostamente defender os alunos de qualquer ameaça de outra arma.


Por que não vai mudar?

Engana-se quem pensa que todos os norte-americanos são loucos por armas. Segundo pesquisa divulgada pelo instituto Pew Research Center, esse é um assunto que muito mais divide do que une os norte-americanos. Segundo o levantamento, feito em 2017, cerca de 50% da população é à favor de um maior controle das armas e 47% dizem que o ideal é deixar como está.


Mas mesmo com um forte apelo popular em direção a um maior controle desse mercado, a tendência natural é de que nada mude à curto prazo. A NRA (Na sigla em inglês Associação Nacional de Rifles da América) é mestre nas campanhas publicitárias para fazer com que as tragédias caiam em esquecimento.


Além disso, o mercado de armas dos Estados Unidos é um dos grandes responsáveis pelo chamado motor da economia do país. Só em 2017, estima-se que a receita anual deste mercado tenha ultrapassado os 13 bilhões de dólares.


Culturas e interesses diferentes marcam as diferentes relações dos Estados Unidos e do Reino Unido com as armas de fogo. Aparentemente nada mudará dos dois lados, mas é preciso esperar os próximos capítulos.

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