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O NEVES

AÉCIO DE PAULA

Um filme necessário

  • Foto do escritor: Aécio de Paula
    Aécio de Paula
  • 11 de dez. de 2018
  • 3 min de leitura

Por que Infiltrado na Klan, de Spike Lee está arrebatando o coração do público e da crítica por onde é exibido? O que ele tem a nos ensinar?


Infiltrado na Klan é filme obrigatória nos tempos atuais // Foto - Divulgação
Infiltrado na Klan é filme obrigatória nos tempos atuais // Foto - Divulgação

Uma vez um grande comediante disse que o que está por trás de toda boa comédia é a lógica do fazer oposição. Para ele, o ato de fazer rir vem sempre atrelado a uma crítica, por vezes irônica, de uma situação social vigente. Talvez por isso, o cinema de comédia em 2018 tenha apelado tanto para esse lado. Não bastasse o interessante A Morte de Stálin, e até mesmo o brasileiro O Candidato Honesto, dessa vez temos Infiltrado Na Klan. A produção marca a volta do aclamado Spike Lee na direção de um longa.


O filme narra a história do policial negro Ron Stallworth (John Washington), de uma delegacia do estado do Colorado. Ele conseguiu abrir uma investigação contra a Ku Klux Klan. Para que o projeto fosse para frente, ele precisava entrar para a organização e conseguir provas para a acusação. Por motivos óbvios, ele não poderia fazer esse trabalho pessoalmente. É aí que entra em cena o seu colega de trabalho Flip Zimmerman (Adam Driver), um policial branco que se passou por ele para participar das reuniões presenciais. Apesar de ser branco, Flip é judeu, ou seja, outro alvo da Klan.


Apesar de ser uma comédia, o filme vai para o drama em questão de segundos, de modo que está longe de ser uma produção para dar gargalhadas. Em diversos momentos se percebe a tensão no ar com as questões que são trazidas por Spike Lee. Afinal, se um negro se torna policial, ele está traindo a causa negra? É justo usar violência para se defender de outra violência? Ser racista está dentro do escopo da liberdade de expressão? O filme não responde nenhuma dessas questões, mas coloca o dedo em cada uma dessas feridas e se propõe a debatê-las.


O racismo é, aliás, o tema central da discussão. É interessante como Spike Lee consegue trazer o tema sem ser doutrinador. O fato de trazer a terrível lógica da KKK não o impede de mostrar que este não é o único tipo de preconceito existente contra negros na sociedade norte-americana. Isso fica claro na figura de um policial racista, que não faz parte da organização, mas lança mão de frases racistas o tempo todo contra o protagonista. O diretor tenta mostrar que qualquer um pode soar um pouco como a KKK no dia a dia, mesmo que externamente repudie as ideias da organização.


O longa faz links com o sistema político atual o tempo inteiro. As críticas estão presentes em cada fala, em cada gesto, em cada cena do longa. Mesmo que pareçam implícitas, elas estão lá para todo mundo ver claramente. As reuniões da KKK representadas no filme são um soco no estômago. Muito por causa dos argumentos para odiar os negros. “São uma aberração”, “Não fazem nada direito”, “A polícia não mata por causa da cor, mata porque são bandidos”, “Eles atrasam os Estados Unidos”, “Estão roubando nossos empregos”, “Precisamos voltar aos valores do passado”. De uma forma geral, não são frases estranhas para nós neste momento. E se o objetivo do diretor foi nos assustar, ele conseguiu.


Poucos são os defeitos do filme. Mas um foi bem importante. Spike erra ao trazer a imagem de Donald Trump relativizando os atos da KKK nos Estados Unidos no final do filme. E erra não porque é um erro criticar um presidente. Pelo contrário, é até necessário. Lembre do papel opositor da comédia. Mas erra porque não era uma imagem necessária. O filme inteiro faz críticas indiretas ao Donald Trump. Em um momento, por exemplo, membros da Klan pedem “América primeiro!, América primeiro!”, um dos slogans da campanha do presidente. Em outro momento, outro personagem membro da organização diz que o seu sonho é ver a América grande novamente, outro slogan de Trump. Ou seja, as críticas ao presidente norte-americano já estavam mais do que expostas. É certo que estamos em um momento em que precisamos ser muito didáticos para que uma mensagem seja transmitida. Mas talvez isso tenha tirado o charme do “critiquei, mas com classe”.


Mas fique tranquilo. Esse não é um defeito que tira a grande qualidade do filme: a de questionar e colocar a cara pra bater em um momento onde o ódio parece vencer o diálogo. É um filme pra sair da sala preocupado com o futuro de muitos seres humanos ao redor do mundo. Mas mais do que isso, é um filme necessário. Necessário porque, de um jeito ou de outro, é um filme que te faz pensar no mundo em que vivemos, e onde esse mundo pode parar. Critiquei. Mas com classe.

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